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CONSCIÊNCIA NEGRA

Estudantes do Negra falam sobre desafios dos alunos negros nas instituições públicas

Publicado: Quarta, 20 de Novembro de 2019, 18h51 | Última atualização em Segunda, 02 de Dezembro de 2019, 13h00

Para eles, além de facilitar o acesso da comunidade negra nas instituições, é preciso também rever os currículos escolares para dar representatividade 

Marcos e Andressa fazem parte do Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Africanidades (Negra), do Câmpus Goiânia do IFG
Marcos e Andressa fazem parte do Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Africanidades (Negra), do Câmpus Goiânia do IFG

Nesta quarta-feira, 20 de novembro, comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. Há uma semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou a informação que, pela primeira vez, os negros são a maioria nas universidades públicas, fazendo uma referência ao acesso potencializado por meio do sistema de cotas. Alunos do Câmpus Goiânia do Instituto Federal de Goiás (IFG), membros do Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Africanidades (Negra), coordenado pelas professoras Janira Sodré e Luciene Araújo, comemoram o avanço, mas acreditam que muito é preciso ser feito para que essa comunidade permaneça em seus cursos e tenham êxito em suas carreiras.

A estudante do curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa do Câmpus Goiânia, Andressa Gomes da Silva, ingressou na instituição por meio do sistema de cotas que é adotado pelo IFG, assim como nas demais instituições públicas federais, conforme prevê a Lei 12.711/2012. Ela afirma ser importante essa política de acesso, mas questiona que é preciso mais. “Como eles (alunos negros) estão na faculdade? Aqui temos o Negra. Será que em outras instituições têm iniciativas assim? Eles se identificam como negros?”, indaga a estudante que admite ser uma das poucas pessoas em sua família a ter oportunidade de estudar em uma instituição pública de ensino superior.


Andressa afirma que é uma das poucas em sua família a fazer curso superior em uma instituição pública

 

Marcos Rafael Andrade de Melo, aluno do 7º período de Licenciatura em História, afirma que recebeu a notícia do IBGE com alegria, mas que é necessária uma análise que vá além da garantia de ingresso da comunidade negra nas universidades. “Mais do que acesso é preciso de políticas de permanência para que essa população consiga êxito na formação acadêmica em si. É importante o diálogo com esses sujeitos na academia e é importante descolonizar esses currículos porque a gente vive numa perspectiva, principalmente ali na História, muito eurocêntrica. Então, acho que descolonizar esses currículos para que esses novos sujeitos que estão entrando nessas instituições de ensino superior consigam se ver ativamente como sujeitos e produtores da sua história, como seres políticos em si, para que eles possam escrever e interpretar essa história, a partir do seu lugar de fala, de mundo e de vivências”, explica.

Apesar de não ter ingressado por meio do sistema de reserva de vagas, Marcos vai ao encontro de Andressa quando reforça a importância de se ter espaços dentro das instituições de ensino onde a comunidade negra possa se sentir representada, com lugar garantido para estudar teóricos negros que contribuíram para a construção dessa trajetória comemorada neste 20 de novembro e, assim, reforçar a identidade negra de cada um.

“Acho que o IFG me ajuda a me identificar e me empoderar como negro quando eu entro no grupo de estudos Negra. Isso me ajudou muito a me posicionar como negro na sociedade, nas aulas, como um todo. Esse processo de empoderamento, de olhar a sociedade e os estudos como um todo a partir de um outro olhar. Me empodera também a partir das vivências e experiências que eu quero estar próximo dos meus pares. Isso é preciso e necessário a partir do momento quando você é colocado como minoria, quando te dá fala como sujeito subalterno da sociedade. A partir disso a gente consegue se colocar como potência na sociedade, a partir do momento que a gente se aproxima dos nossos pares. Aí o processo de resistência é maior, o processo de potência é gigantesca”, conta Marcos.

Andressa chegou ao Negra por indicação da professora Luciene Araújo. A aluna conta que, em sua disciplina, a docente aborda obras e a trajetória de escritoras negras o que a fez ampliar sua visão sobre sua futura profissão e suas perspectivas de pesquisa dentro do Câmpus Goiânia. “Eu entrei no grupo (Negra) em que são discutidas questões raciais, da mulher, esse silenciamento da mulher negra que eu sofri. Até essa questão de falar baixo. Para mim mesmo é difícil levantar a voz. Foi importante para me construir”, ressalta a aluna, que admitiu também ter aceitado sua identidade e seu cabelo afro por influência das professoras Janira e Luciene e que realizará seu trabalho de conclusão de curso tendo como foco escritoras negras.

Porém, mesmo com a oportunidade ofertada pelo Negra, os estudantes enfatizam que é preciso mais. Marcos questiona, por exemplo, o fato do núcleo ser o único que aborda as temáticas étnico-raciais dentro do câmpus. “Apesar do câmpus ser muito grande, existe apenas um grupo, que é o Negra, que faz esse debate sobre a identidade negra. É um grupo de muita importância, de muita potência, que a gente consegue, a partir do momento em que estamos inseridos, ler teóricos negros, discutir sobre essa política e ocupar esse espaço que é nosso, que vai além da academia em si. Esse espaço de vivência, de aprendizado e de afeto, que a gente pode chamar de ‘afroafeto’, é importante para que a gente consiga lidar com as barreiras do dia a dia, das universidades que a todo tempo tentam nos calar, nos silenciar.”

Marcos acredita que espaços como o Negra, do IFG, possibilitam o fortalecimento da identidade negra nos alunos
Marcos acredita que espaços como o Negra, do IFG, possibilitam o fortalecimento da identidade negra nos alunos

 

Para os alunos, a representatividade por meio dos professores fortalece o processo de identificação como negro e a valorização dessa identidade. “A partir do momento que você tem professores dessas instituições  inseridos nesse processo e coordenando esses grupos de estudo, é importante para alunos de graduação e do técnico, pois eles conseguem se ver lá na frente, se espelhar em alguém. É importante para valorização da identidade negra, afirmação dessa identidade. Os grupos em si são grupos de potência para negritar os espaços, nossas pesquisas e ser vez e voz nessas instituições que muitas vezes nos foram marginalizadas com o tempo”, finaliza.

Identidade e fortalecimento

Andressa conta que já veio de um histórico de bullying no ensino médio. Quando chegou ao IFG, o desconforto continuou. “Na minha sala, apenas eu e outros dois colegas somos negros”, ressalta. Mas o processo de reconhecimento de si mesma e de construção da sua identidade negra fizeram com que ela superasse o medo. “Mesmo que eu não me sinta confortável com algumas questões aqui no IF, eu sei que cresci aqui dentro.”

Porém, foi durante as aulas no curso que Andressa teve contato com a escritora Maria Carolina de Jesus, ex-catadora que encontrou seu caminho na Literatura. “Sempre me apaguei na escrita. Pude ver nela, uma escritora que catava papelão, que não tinha oportunidades mesmo e ela encontrou nos livros, achados no lixo, um caminho, fez disso os seus diários. Vi que isso me deu possibilidade de escrita. Até então eu não escrevia nada. E a gente tem que escrever, de alguma forma. Agora quero relatar minhas vivências de mulher negra”, completa a aluna.

Marcos também veio de um histórico de incertezas sobre o seu lugar na sociedade. Por não se encontrar nos padrões estereotipados durante o ensino médio, ele afirma que não sabia quem realmente era. “Então eu busquei estudar para compreender sobre esse processo. Leitura de teóricos, principalmente brasileiros, foi de grande importância para a minha vida, como Lélia Gonzales, Sueli Carneiro, que são militantes do movimento negro brasileiro. Quando entrei no IFG isso só se reforçou, principalmente por estar em contato com pessoas que estudam e dialogam nesse movimento negro, como eu”, conclui.

 

Coordenação de Comunicação Social do Câmpus Goiânia

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