Quilombos Sustentáveis em Rede encerra primeiro ciclo de oficinas em comunidades quilombolas (2)
Oficinas de Alimentos do Cerrado, Audiovisual, Bioconstrução e Tecnologias Digitais foram ministradas nos dias 4,5 e 7 de setembro
Lucilene dos Santos Rosa em conversa com a comunidade de Diadema, em Teresina de Goiás |
O projeto Quilombos Sustentáveis em Rede encerrou, na última terça-feira, 7, o primeiro ciclo de oficinas realizadas com as comunidades quilombolas do Moinho, em Alto Paraíso, do Forte, em São João da Aliança, e de Diadema, em Teresina de Goiás. As comunidades, todas localizadas na Chapada dos Veadeiros, participaram das oficinas nos dias 4, 5 e 7 de setembro, adquirindo e compartilhando conhecimentos sobre Alimentos do Cerrado, Audiovisual, Bioconstrução e Tecnologias Digitais.
Além dos servidores dos Câmpus Uruaçu e Cidade de Goiás do Instituto Federal de Goiás, que compõem o projeto, todo o trabalho foi acompanhado pela articuladora kalunga Lucilene dos Santos Rosa, residente na cidade de Cavalcante. Lucilene já integrou a Secretaria Municipal de Igualdade Racial, de Cavalcante, e a Superintendência de Estado da Mulher e Igualdade Racial.
Segundo Lucilene, a ação realizada pelo IFG, de ir até as comunidades em busca de maior integração com esses povos ancesstrais, adereça vários problemas que dificultam o desenvolvimento dos quilombos, em especial os de comunicação. "Muita coisa não acontece por falta de comunicação. O poder público ainda não sabe como acessar essas comunidades", conta a kalunga.
As ações do projeto foram acolhidas em escolas municipais e espaços comunitários das associações que representam o povo Kalunga, se adaptando ao ritmo e aos costumes de cada comunidade. Para Lucilene, esse foi um dos diferenciais do projeto.
"Aqui nós temos um senso de unidade - toda ação nos quilombos é coletiva, como as reuniões para organizar as festividades, para discutir problemas, ou reuniões com representantes do governo". A Kalunga ainda descreve as dificuldades que a comunidades passam no momento, e como o projeto Quilombos Sustentáveis em Rede auxilia na superação desses obstáculos.
"O poder público tem a responsabilidade de integrar e fortalecer as comunidades (Kalunga), mas não executa essa política. As comunidades estavam desanimadas, com baixa autoestima. O projeto veio em muito boa hora, promovendo a reconexão das comunidades com sua ancestralidade e seus territórios".
Oficinas
Jovens e crianças da comunidade do Forte, durante a produção de adobe |
As oficinas oferecidas pelo projeto Quilombos Sustentáveis em Rede foram elaboradas de acordo com uma visitação prévia às comunidades. O diagnóstico, segundo o integrante do projeto e professor de agroecologia de alimentos do Câmpus Cidade de Goiás, Diogo Souza, foi realizado em julho, mas a escrita do projeto ainda está em andamento.
"O projeto ainda está sendo elaborado, em conjunto com as comunidades. Existem outras demandas dessas comunidades que não puderam ser atendidas". O professor também conta que, para atender melhor às necessidades dos quilombos, é preciso ampliar o projeto.
"O objetivo é que o projeto possa se tornar um Programa de Extensão, para termos mais condições de ampliar e acompanhar o desdobramento das oficinas que estamos realizando".
Durante os dias 4, 5 e 7 e setembro, o projeto realizou as oficinas de Alimentos do Cerrado, Audiovisual, Bioconstrução e Tecnologias Digitais, em cada uma das três comunidades abordadas. As oficinas foram frequentadas por homens, mulheres e crianças, durante as manhãs e tardes. O segundo Ciclo de oficinas, previsto para o mês de Outubro, deve dar continuidade a essas atividades.
Oficina de Alimentos do Cerrado
Maria Joaquina da Silva Bastos Cabral, participante da oficina de Alimentos do Cerrado |
A oficina de Alimentos do Cerrado foi ministrada pelo professor Diogo Souza, acompanhado pela nutricionista da Reitoria do IFG, Ariandeny Silva. A oficina é proposta como parte da pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Agroecossistemas do Câmpus Cidade de Goiás.
"As oficinas são o resultado de quatro anos de pesquisa. Nossa proposta é integrar os fruto do cerrado às receitas das pessoas das comunidades, para a criação de produtos que possam ser comercializados, de acordo com a realidade dos próprios produtores", explica o professor de agroecologia.
Nas oficinas, foram utilizados diversos frutos do cerrado, como o jatobá, mutamba, buriti, caranã, tucum, gueroba, macaúba e cagaita. Estes foram convertidos em produtos como palmitos, farinhas, óleos comestíveis, panificados, molhos, entre outros produtos.
Segundo Maria Joaquina da Silva Bastos Cabral, integrante da comunidade do Forte, em São João da Aliança, a oficina foi uma "oportunidade muito boa para aprender". A quilombola foi responsável pela produção do doce de casca de maracujá.
"Achei a oficina muito interessante, um ensinando o outro sobre as receitas e frutos do cerrado, tudo o que fiz foi aprendendo e ensinando", conta Maria Joaquina.
Oficina de Audiovisual
Artesão Ricardo da Cruz de Moura, da comunidade do Moinho, e sua bolsa de barbante. |
Ministrada pelo professor de audiovisual do Câmpus Cidade de Goiás, Carlos Cipriano, com apoio do jornalista do Câmpus Uruaçu, Gustavo Rezende, a oficina de audiovisual introduziu as técnicas de produção de vídeo e realização de entrevistas, para jovens e crianças participantes do projeto.
Durante as oficinas, os participantes tiveram a oportunidade de produzir suas próprias obras audiovisuais, em documentário e ficção, utilizando equipamentos profissionais. Para Carlos Cipriano, "a ideia é que própria comunidade se aproprie dos equipamentos para conduzir esses registros e isso deve levar à formatação de pequenos documentários, a serem divulgados pelo projeto. É muito interessante observar essa busca, uma roda de crianças e jovens em torno da câmera, ouvindo os mais velhos contarem suas histórias."
Durante a realização do projeto, Cipriano também auxiliou nas inscrições de membros das comunidades com produção cultural no edital aberto da Lei Audir Blanc. Sob sua orientação, cerca de 30 propostas devem concorrer aos auxílios oferecidos pela Lei, entre as comunidades do Moinho, Forte e Diadema.
Um dos projetos inscritos é do artesão Ricardo da Cruz de Moura, residente da comunidade do Moinho, em Alto Paraíso. Seu trabalho envolve a confecção de tapetes, bolsas e outras peças artesanais, produzidos a partir de materiais típicos, como barbante, palha de milho e folha de bananeira, miçanga, bambu, entre outros. Se for contemplado na Lei Audir Blanc, o artesão pretende montar um ateliê.
"Eu aprendi a costurar com minha tia, Neuza de Moura, que já faleceu. Ela fazia no tear, mas eu gosto de trabalhar manualmente e tenho criações próprias, como a bolsa de barbante. Hoje trabalho junto com minha irmã, Andreia da Cruz, e se formos contemplados pela Lei faremos um ateliê aqui, no Moinho, o Rico e Deia Ateliê".
Ricardo também participou da produção audiovisual e realizou quatro entrevistas, registrando as memórias de membros mais velhos da comunidade. "Já estamos deixando encaminhadas outras entrevistas para as próximas oficinas", conta o artesão, que diz "sempre estar pronto para aprender".
Oficina de Bioconstrução
Ricardo Gonçalves Nunes (14), do Forte, pintando centro comunitário na oficina de Bioconstrução. |
A professora e Diretora-Geral do Câmpus Uruaçu, Andreia Alves, com auxílio da professora Luana Moreira, foram responsáveis pela oficina de Bioconstrução, que orientou crianças, jovens e adultos na pintura de centros comunitários nas comunidades do Moinho, Forte e Diadema.
A oficina também promoveu as técnicas de produção do tijolo de adobe, feito a partir do barro e produtos naturais, para construir a sede da associação quilombola da comunidade do Forte.
Para Andreia Alves, a experiência fortalece as relações do IFG com as comunidades quilombolas, a partir do diálogo entre os conhecimentos técnicos e os saberes tradicionais. "Além de ser uma troca de saberes tradicionais, temos também a oportunidade de vivenciar essa cultura", descreve a professora.
O estudante do oitavo ano na comunidade do Forte, Ricardo Gonçalves Nunes (14), participou da pintura e da produção do tijolo de adobe, fala um pouco sobre o que aprendeu na oficina.
"Eu aprendi a como pintar e ajudei na pintura do salão da igreja. Achei que a forma de pintar ia ser mais difícil, mas foi fácil. O adobe foi mais difícil de fazer, mas eu cansei só um pouco, só de vez em quando".
Ricardo também conta que sentiu falta dos amigos que não puderam comparecer à oficina, e que irá recomendar que venham para os próximos ciclos do projeto. "É muito bom ver o lugar cheio de novidades, eu acho que eles vão gostar", diz o morador do Forte.
Oficina de Tecnologias Digitais
Maria Divina Farias dos Santos, durante a oficina de Tecnologias Digitais. |
A Oficina de Tecnologias Digitais levou um laboratório de informática itinerante para as três comunidades do projeto, sob responsabilidade do professor Maurílio Humberto, com auxílio do servidor-técnico administrativo Mateus Nunes, ambos do Câmpus Uruaçu. O laboratório levou as primeiras experiências com informática para muitos participantes das oficinas, devido às restrições de acesso à tecnologia nas comunidades.
Maurílio Humberto aponta para uma enorme carência de acesso e oportunidades de aprendizado em tecnologia, e o impacto que isso tem nas opções de trabalho e inclusão no mercado. A falta de laboratórios de informática na maioria dessas comunidades é um exemplo disso.
"Essas comunidades precisam de laboratório de informática. Nosso equipamento nós temos de levar embora, os alunos precisam de manter contato e dar continuidade ao estudo dessas tecnologias". O professor também destaca que as oficinas têm o objetivo de incentivar o interesse das comunidades na informática, o que pode melhorar a condição de vida de muitas famílias.
"Oficinas como a nossa não vão inserir os estudantes diretamente no mercado de trabalho, mas despertar a vontade deles no assunto. Alguns se sentem incapazes de aprender. A oficina é uma maneira de abrir o horizonte dos estudantes, de que eles podem aprender e serem contratados para uma vaga em um hotel, por exemplo, onde é necessário saber usar um computador".
A professora da escola Tia Adesuita, de Diadema, Maria Divina Farias dos Santos, acompanhou dois de seus filhos durante a oficina, fala de sua experiência de aprendizado. "Eu sabia o básico de computação, mas não sabia nada sobre formatação de textos. Hoje eu aprendi a fazer tudo isso, consegui evoluir bastante"
Maria Divina deixou outros quatro filhos em casa que, segundo ela, precisam de participar de formações como essa, assim como muitas outros jovens e adultos da comunidade. "Temos necessidades de mais oficinas como essa", conta a professora, "tem muitos jovens que querem fazer. Hoje dois filhos meus estão participando, mas precisamos de outras oficinas para atender mais público".
A moradora também aponta a necessidade da criação de um laboratório que atenda à comunidade. Segundo Maria Divina, com o laboratório, além de praticar os conhecimentos adquiridos, os próprios moradores poderiam transmitir o aprendizado aos demais integrantes da comunidade.
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