Com diálogo e empatia, Napne oferece acompanhamento a discentes dentro do transtorno do espectro autista
A aposta do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas é promover a interlocução entre instituição e familiares para uma educação inclusiva
“No decorrer dos estudos do Gustavo Welton, eu tive muita dificuldade. Muitos convites para tirar ele das escolas, por suas limitações, por ser TEA (transtorno do espectro autista). Eu sempre esperei de uma escola, igual qualquer pai, uma escola com comunicação constante, boa proposta pedagógica, inclusive na adaptação das matérias dentro das limitações do Gustavo”. Essa é a Keila Vieira de Souza, mãe do Gustavo Welton Vieira Fernandes. Hoje ele é aluno do curso técnico integrado em Eletrônica do Câmpus Goiânia, um dos 10 autistas atendidos pelo Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne). Mas até chegar ao momento presente, a história do Gustavo e da Keila passa por muitos percalços.
Com muita luta e sem nunca desistir da capacidade do filho de aprender, Keila recusou as propostas de tirar Gustavo das escolas e persistiu. Ao terminar o nono ano do ensino fundamental, ela conta que ouviu de uma das instituições onde o filho estudou que ele não conseguiria fazer o ensino médio. “‘Ele não aprende, ele não vai aprender’. Até me deixou chocada porque eu vi que o Gustavo tem capacidade, sim, de aprender. Ele só precisa de materiais adaptados e de profissionais qualificados”.
E foi com essa convicção que Keila chegou até o Câmpus Goiânia do Instituto Federal de Goiás (IFG). De uma colega, ela soube do processo seletivo aberto para a instituição. Gustavo ingressou no curso técnico em Eletrônica na seleção realizada por meio de prova e a aprovação foi um estímulo à mãe. Atestou o que ela tinha certeza: seu filho é sim capaz.
Mas, depois de uma trajetória cheia de obstáculos e descrédito por parte das instituições de ensino em relação ao seu filho, Keila se assustou com o tamanho da estrutura do Câmpus Goiânia e acreditou que aqui a inclusão e adaptação do Gustavo Welton seria mais difícil. “Já que numa escola menor, ele não teve um atendimento adequado. Aí eu imaginei um monte de coisas negativas, mas mesmo assim, naquele momento, eu fui na neuropsiquiatra dele, que é a Dra. Maria das Graças Brasil, e conversei com ela. Ela falou ‘você vai fazer a matrícula’”. Foi a neuropsiquiatra que reforçou uma das máximas da educação inclusiva: “a escola tem que se adaptar para ele estudar. É um direito dele”, conta a mãe lembrando do conselho da médica.
Matrícula feita, já no primeiro contato com o Câmpus, durante a recepção dos calouros e reunião com pais, Keila diz que se sentiu muito feliz e acolhida. “Todos os pais desejariam ter um filho estudando ali. O meu estava ali, mesmo com tantas dificuldades que teve anteriormente”, recorda. E foi nessa recepção que veio o primeiro contato com os servidores do Câmpus Goiânia, professores, pedagogos e a assistente social da Coordenação de Assistência Estudantil (CAE), Maria Cristina Hidalgo, que proferiu as palavras que conquistariam o coração dessa mãe: “Nós precisamos do Gustavo aqui. Nós vamos acolher ele. Vocês não precisam ficar preocupados. Nós vamos trabalhar com as limitações dele”, cita Keila o que foi dito por Cristina naquele momento da recepção.
A partir daí, a confiança se estabeleceu em Keila e Gustavo entrava num modelo de educação que, para ela, é o mais próximo da educação inclusiva que sempre sonhou para seu filho. Após passar pela avaliação da equipe de saúde da CAE, Gustavo foi encaminhado ao Napne e, a partir de então, começou toda adaptação para que suas potencialidades fossem trabalhadas dentro e fora da sala de aula. “A adaptação vai além da inclusão. Não adianta dizer só que a escola é inclusiva. A adaptação é a peça chave de toda questão inclusiva”, reforça Keila.
E foi a partir daí que Keila diz ver grandes transformações no seu filho. Segundo ela, Gustavo está mais comunicativo, com vontade de aprender, mais autônomo e menos ansioso. “Até aprendeu a andar de ônibus”, salienta. Ela acredita que a adaptação realizada em sala de aula para o aprendizado de Gustavo e o diálogo direto que possui com os profissionais do Napne são essenciais para esse progresso do filho.
Além do progresso notado pela mãe, Gustavo pegou gosto pelos estudos, não é mais um jovem isolado e destaca o que mais gosta no Câmpus Goiânia: “gosto muito do ambiente de lá, de como os professores são educados, gentis, pacientes e ajudam nas dificuldade que os alunos têm. Também gosto muito de fazer futebol”.
A importância do Napne
Para o professor e coordenador do Napne do Câmpus Goiânia, Marshal Gaioso, essa persistência da família em procurar uma instituição que acolha seus filhos com deficiência é o reflexo das políticas de inclusão e que geram uma mudança de consciência em toda a sociedade. “Tem muita coisa por ser feito, mas hoje já existe uma mudança de mentalidade. Hoje a gente reconhece que esses alunos devem estar nessa escola, que ela é para eles. A visão que muitos tinham é que essa escola não era para eles. Hoje a gente já conscientiza os professores e funcionários que essa escola é para esses alunos. Quando a gente diz que ela é para esses alunos, é que a escola precisa se adaptar para eles”, afirma Marshal.
O Napne é um departamento que tem por objetivo estabelecer diálogo com todas as instâncias do Câmpus, bem como com estudantes com deficiência e seus familiares para que, juntos, possam construir uma educação inclusiva. “Os Napnes vêm justamente nesse propósito, de facilitar essa relação entre os alunos com deficiência e a instituição. A gente recebe os alunos e vai junto com eles conversar com os professores, gestores da instituição. Um dos papéis principais do Napne é a identificação desses alunos. Hoje a gente pode dizer, por exemplo, quantos alunos dentro do transtorno do espectro autista a gente tem, quantos alunos com deficiência têm na instituição. Nós temos em torno de 50 estudantes com deficiência, isso registrado. Acreditamos que esse número seja maior. Então nós já podemos dizer para a direção, para a instituição se preparar para receber eles e acompanhar esses casos em questão de adaptação”, explica.
E a adaptação, segundo Marshal, é algo que envolve todos os servidores da instituição, e passa por várias questões. Como cada estudante com deficiente é único, a adaptação não pode ser algo generalizado. Ele explica que alguns dos discentes dentro do transtorno do espectro autista precisam de tempo a mais para fazer atividades, como uma prova, enquanto outros precisam de um local mais apropriado, com menos barulho e até iluminação mais branda para que eles se sintam à vontade para aprender e se desenvolver. “Já outros alunos precisam de um acompanhamento muito maior. Às vezes são adaptações pedagógicas, às vezes burocráticas, às vezes físicas, às vezes é o professor que tem que se adaptar, às vezes é a direção que precisa adaptar. Temos alunos surdos, então estamos trabalhando em introduzir mais materiais em Libras. E o Napne faz essa articulação: conversa com professor, com departamento de manutenção, coordenadores, departamentos, para dar todas as condições a esses alunos. O objetivo nosso é muito claro: a gente quer que o aluno realize toda a potencialidade acadêmica que ele tiver, seja qual for essa potencialidade, que ele aprenda o máximo, sem exigir que ele aprenda algo que ele não tem condição. A gente vai fazer de tudo para que ele tenha essa possibilidade”, acrescenta.
Para Marshal, a articulação e acompanhamento feito pelo Napne é importante, mas há uma peça importante para todo o processo: o professor. “A inclusão ocorre principalmente com o professor, ele é o elemento fundamental. A gente está começando a ter sucesso nisso porque a participação dos professores é muito intensa, eles compartilham as experiências exitosas”, acredita.
Além de docente e servidores do Câmpus, o Napne conta também com monitores e estagiários que auxiliam desde o acompanhamento em sala de aula dos discentes que o necessitam, até no atendimento para tirar dúvidas de disciplinas, articulação junto aos departamentos acadêmicos, entre outros. Marshal reforça também um grande aliado nesse acompanhamento realizado pelo Napne que são as Coordenações Pedagógicas de Apoio ao Discente (CAPDs), que estão instaladas em cada departamento de áreas acadêmicas do câmpus. Nelas, os alunos contam com pedagogos, psicólogos, assistentes de alunos entre outro profissionais que somam nesse diálogo entre instituição, aluno e famíliares, apontando melhorias e soluções para a realização acadêmica de cada discente.
Inclusão com interação
E com essa parceria, entre os profissionais docentes e técnicos administrativos em educação envolvidos com o acompanhamento dos discentes com deficiência, que o diálogo flui em prol do acolhimento de estudantes e seus familiares.
Essa é a inclusão que a Fernanda Leal e Silva Rezende, mãe do Murilo Leal Rezende, que também está dentro do transtorno do espectro autista, esperava para seu filho. “Sempre procurei uma escola com um modelo de inclusão maleável e aberto às sugestões, com um corpo docente consciente das necessidades visando um melhor aprendizado e promoção da socialização, que também é algo fundamental para formação acadêmica e social. Ele precisa ser visto primeiramente como pessoa antes da sua deficiência”, reforça.
Assim como Keila, Fernanda também afirma os progressos conquistados por Murilo desde o momento que ingressou no curso técnico integrado em Instrumento Musical. “No Napne, estou encontrando um caminho para a implantação do que é preciso para inclusão. Lá encontrei pessoas sensíveis e dispostas a trazer soluções para a causa. Me sinto tranquila, acolhida e confiante no sucesso desse trabalho tão nobre, que visa não só atender o Murilo hoje, mas os próximos que virão. Sou grata pela atenção recebida”.
E o que a sociedade ganha com isso?
Para Marshal, a inclusão é benéfica não apenas para a pessoa com deficiência, mas para todos. “Primeiro eles aprendem a ter contato com esses alunos. Eles (sociedade) têm a oportunidade de ter essa vivência com pessoas diferentes, ter mais empatia. Segundo, a partir do momento em que a instituição é forçada a se adaptar a um caso específico um aluno cadeirante, por exemplo, os outros alunos e a comunidade também vão se beneficiar disso. Isso porque um dia você pode estar com o pé machucado e vai ter uma rampa para você usar. Por exemplo, se eu converso com um professor para fazer uma adaptação para atender um aluno cego, daqui a pouco tem outro aluno que não tem deficiência, mas que está com algum problema e a situação também vai ser adaptada a ele”, acredita.
Por esse motivo, por despertar a empatia e a valorização da diversidade, o professor afirma que é possível promover educação inclusiva e de excelência. “Nesse sentido, a inclusão é uma aliada para a excelência. Muitos acham que é uma questão de escolha: inclui e abre mão da excelência. Eu acredito que quando se tem uma instituição que faz a inclusão se tornar uma realidade ela vai ter muito mais condição de trabalhar a excelência em vários níveis de aprendizado”, finaliza.
Coordenação de Comunicação Social do Câmpus Goiânia do IFG.
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